07/06/2021 - 18h38min
Num dia desses de maio, procurando diversificar um pouco na monotonia do dia-a-dia, resolvi dar uma organizada nos livros. Aliás! Vou contar um segredo: É um problema de difícil solução! Toda vez que vou arrumar as estantes, acabo achando um livro que eu andava prospectando na bagunça e aí perco o foco. Dessa vez foi o “Ensaio sobre a Cegueira” do José Saramago.
Conheci esse importante escritor português numa conferência do Fórum Social Mundial de 2001, realizado, em Porto Alegre, na PUC. Já falei sobre isso, mas trago de volta na atual conjuntura. Antes de ser escritor, foi jornalista, desenhista, tradutor, editor e funcionário público. Autor de múltiplos gêneros, escreveu poemas, peças de teatro, crônicas, contos, novelas e romances.
Na saída do evento, passando pelos estandes de livros, procurei as obras dele. Na primeira banca que cheguei, minha mão, intuitivamente, foi direta ao “Ensaio Sobre a Cegueira”. Lembro que abri o livro, dei uma passagem de olhos rápida pelo texto e me deparei com um estilo literário diferente, com frases e períodos longos, com a pontuação nada convencional. Achei que seria complicado e cansativo, entretanto, à noite, comecei a ler e não consegui parar mais até terminar. É surpreendente! Ele brinca com a pontuação, fazendo arte dela, numa profunda crítica social atemporal.
Especificamente ao “Ensaio Sobre a Cegueira”, pode ser dito, de forma simplista, que essa obra narra a história de uma epidemia de cegueira súbita que se espalha por uma cidade e vai acometendo um por um, trazendo o caos e abalando as estruturas de uma sociedade. Incrível como é contemporânea!
Saramago joga na nossa cara, ironicamente, que a cegueira é social. Apresenta a sociedade como uma personagem, onde se percebe que a alienação não atinge unicamente aos indivíduos, mas a grupos inteiros que são impregnados de uma ideia imaginária que os anestesia da realidade. Ele instiga e induz a uma ponderação sobre a crise social, através de observações precisas e complexas, tais como: “Por que foi que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma”.
O reencontro com Saramago, na minha estante, trouxe lembranças, de forma tão nítida, que chego a me confundir no “tempo”. Até parece que foi recente e não há vinte anos. Os efeitos da fala desse escritor permanecem muito vivos. Lembro de pequenos detalhes, mas, principalmente, de uma frase que ficou cunhada na memória: “Sem futuro, o presente não serve para nada, é como se não existisse.” À luz do pandemônio na pandemia, pergunto: Como sair do estado de cegueira, resgatar o presente e salvar o futuro da “nossa” amada pátria? A saída, certamente, é curar a “cegueira”!
“Pode ser que a humanidade venha a conseguir viver sem olhos, mas então deixará de ser humanidade.” (José Saramago)
Túlio Carvalho
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Publicado em 3/6/21.
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